Juízes Fiéis versus Juízes Competentes: O Dilema que Define uma Nação
“Eu disse ‘não’ ao Presidente Juscelino, pois jamais admitiria que minha defesa por ele fosse contaminada por pensarem que só o defendi pois queria o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.” – Sobral Pinto
O Brasil possui milhares de ‘doutores’ em Direito e outros milhares de ‘mestres’. Outros milhares se tornarão mestres ou doutores nos próximos anos em universidades públicas ou privadas.
Todos esses milhares de pesquisadores estarão qualificados para serem Ministros de Tribunais Superiores? E por ostentarem tais títulos acadêmicos (pesquisa), podem ser considerados notáveis conhecedores do Direito?
E se são realmente notáveis, seus orientadores então mereceriam qual adjetivo?
Reflito sobre essa questão simples – e sobre as nomeações que tenho observado para os Tribunais Superiores – sem posicionamento contra ou a favor de ninguém. Penso apenas nos absurdos ditos e repetidos por setores da imprensa e da política sobre este oásis chamado Tribunais Superiores, aquele lugar entre a água e a aridez, a crença e a descrença, a fé e a revolta com as instituições republicanas.
No universo da política partidária, é natural que jovens formados dentro dos partidos sejam privilegiados com cargos ‘de confiança’, frequentemente disponíveis antes mesmo de atingirem a maturidade política e intelectual e de suas cabeças embranquecerem.
Assim, a fidelidade a um partido – ou a um líder político, o nomeador dos cargos público-jurídicos máximos do País – é o motivador dessas escolhas. Os títulos acadêmicos, que a imprensa utiliza como comprovação de enorme cultura jurídica, tornaram-se comuns, sendo raro quem não os possui.
Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, dois dos mais celebrados Ministros pós-Constituição de 1988, não ostentam qualquer título acadêmico. Jamais foram pesquisadores.
E apenas como exemplo, na cidade de São Paulo quase todo o alto escalão da advocacia criminal também não frequentou as pesquisas acadêmicas, restringindo-se às pesquisas forenses práticas e às dores do laboratório da alma humana que é o escritório de advocacia.
Citamos dois já saudosos, Arnaldo Malheiros Filho e Márcio Thomaz Bastos, e os ainda ativos e cheios de vitalidade, Antônio Claudio Mariz de Oliveira e José Carlos Dias.
O quinto a completar este grupo seleto, Miguel Reale Júnior, é o único pesquisador – mas também uma enorme exceção, pois ostenta uma das mais profícuas carreiras acadêmicas da história, sendo Professor Titular de Direito Penal da FDUSP.
O problema se repete e ninguém ousa colocar o dedo nessa ferida sangrenta que tem sido um dos alvos dos discursos de ódio e desconfiança: a nomeação de juízes de confiança dos políticos, quando na verdade esses juízes podem ser os julgadores de quem os nomeia. Essa semente da impunidade é percebida pela população.
Antes de qualquer outra coisa, é preciso lembrar que está correta a cláusula constitucional quanto à prerrogativa do Presidente de indicar pessoa com notável saber jurídico e reputação ilibada para o cargo de Ministro de Tribunais Superiores. Assim funciona em nosso modelo espelhado, o americano.
O problema que temos hoje é a inação e a ação de dois atores: um, o Senado, que deveria ser o protagonista dessa história, e outro, o STF, que deveria manter-se inerte.
O Senado transforma os escrutínios em verdadeiros picadeiros, sabatinando os indicados apenas ‘para inglês ver’.
Assistimos a discursos dos sabatinadores sem o mínimo de profundidade e compromisso com os valores republicanos e constitucionais. Parecem estar lá apenas para fazer vídeos e marcar presença em suas redes sociais, visando o engajamento com seus eleitores.
Direito constitucional, filosofia, visões de mundo, experiência em casos práticos, questões acadêmicas: pouco ou quase nada se indaga. A vida pretérita, formação intelectual, ética e moral, passam ainda mais ao largo.
E sabemos – pois noticiado e confirmado por candidatos e sabatinadores ao longo do tempo – das peregrinações aos gabinetes, o infame beija-mão junto aos Senadores – a portas fechadas e não nos plenários, de modo intramuros e não público.
A banalização das conversas de gabinete em detrimento ao plenário público é que faz a população desconfiar das coisas que acontecem nos bastidores do Poder.
E a imprensa normaliza isso, informando passivamente sobre estes fatos sem criticar o modelo nem chamar às falas os atores desta farsa.
É evidente que os Presidentes da República não têm ajudado.
Um queria nomear um Ministro por causa de sua religião. Depois, um que ‘tomasse uma cervejinha’ com ele. Agora, nomeiam-se amigos e amigas da primeira-dama, ou pessoas de confiança que estiveram com o Presidente em seus momentos de dificuldade.
Por que buscar um juiz fiel, e não um bom juiz?
Será correto esse critério de escolher o juiz amigo seu?
Será que Lula não compreende que o juiz amigo seu é o que abre as portas para existir o juiz inimigo seu, neste jogo de compensações que a alternância de poder torna uma inevitabilidade?
O fato novo aqui é o próprio Supremo Tribunal Federal – por alguns de seus ministros – ter candidatos favoritos à cadeira vaga.
A Constituição não permite que os senhores Ministros atuem a favor ou contra alguém, justamente porque a atuação política dos juízes constitucionais faz emergir a política em suas atuações: as trocas, os acordos e outras condutas que juízes não se podem permitir.
Viu-se o Ministro André Mendonça recebendo no púlpito o indicado Jorge Messias para uma oração. A fé é livre, mas a promessa de atuação do Ministro André junto aos Senadores opositores revela a política praticada por um Ministro – e que este tem lado, ainda que seja para pedir por um irmão seu de fé.
Na política, os favores um dia são cobrados – frequentemente com juros.
Fazer com que esses atores mudem e deixem de lado os seus poderes é um sonho ingênuo.
Por isso precisamos repensar a idade mínima para as nomeações para os Tribunais e talvez até para o Senado. Ao atingir a cidadania plena (35 anos) a regra é que os jovens, por mais capazes que se revelem, não têm maturidade para enfrentar os grandes dilemas de suas profissões e da própria existência humana.
E o mais importante: chegar à Corte, seja ela qual for, é o ponto de chegada, e não de partida, para uma carreira.
Sim, pois o notável saber jurídico não deve ser analisado por títulos, mas pelo tempo e desempenho ao longo de uma trajetória. A reputação ilibada não é a inexistência, até os 35 ou 40 anos, de crimes cometidos, mas a postura diante das causas republicanas ao longo da vida.
Ambos os requisitos constitucionais para a indicação presidencial devem ser vistos como o filme de uma carreira, e não a foto de um futuro brilhante.
A idade mínima de 55 anos, para homens e mulheres, soa razoável nos dias de hoje, o que eliminaria problemas como a aposentadoria precoce para advogar (com o sonhado título de Ministro), bem como os demasiadamente longos períodos de serviço extenuante junto à Corte; hoje alguns Ministros chegam a ficar mais de três décadas nos Tribunais.
E como citei Sobral Pinto no início dessa reflexão, cabelos brancos não gostam de receber favores por serviços prestados, o que é sempre bom para a causa republicana.
Share this content:



Publicar comentário