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Reforma do IRPF e Tributação de Dividendos: Análise dos Impactos e Dilemas Fiscais no Brasil

O Brasil inicia mais um capítulo em sua tradição de falsos dilemas fiscais: oferece-se um benefício ao contribuinte, mas a conta chega pouco depois, disfarçada de ‘modernização tributária’.

A reforma do Imposto de Renda das pessoas físicas segue esse roteiro com exatidão. O alívio prometido para as faixas de renda mais baixas, visto como um avanço legítimo, vem acompanhado de uma engenharia arrecadatória que transfere custos, aumenta incertezas e reforça um padrão antigo: quando o Estado concede com uma mão, costuma retirar com a outra.

Como contrapartida ao alívio do IRPF, o texto cria o chamado Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), aplicável às chamadas ‘altas rendas’. O mecanismo estabelece uma alíquota progressiva que incide sobre rendimentos anuais acima de R$ 600 mil e chega a 10% para aqueles superiores a R$ 1,2 milhão.

A nova legislação inclui, pela primeira vez em décadas, os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas. Para os dividendos enviados ao exterior, a tributação será fixa, de 10%, independentemente do valor remetido.

A tributação dos dividendos, no entanto, não ocorre isoladamente. Nos países que adotam esse modelo, a cobrança é acompanhada por uma redução na carga que incide sobre a pessoa jurídica. O Brasil, ao manter IRPJ e CSLL em 34% e ainda tributar dividendos, rompe o equilíbrio mínimo que sustenta esses arranjos.

Sancionado em 26 de novembro de 2025, o texto legal determina que as novas regras entrarão em vigor em 1º de janeiro de 2026. A corrida pela deliberação de lucros até o fim do ano, impulsionada pela regra de transição, tem movimentado o setor financeiro e tributário. O movimento se intensifica diante do impasse de que muitas empresas têm lucros acumulados apenas no papel, sem disponibilidade financeira para distribuição.

Nesse novo cenário, a retenção de lucros se tornará uma estratégia natural para grandes corporações, que dispõem de instrumentos para reorganizações internas, criação de estruturas intermediárias e planejamento sofisticado. Para estruturas empresariais pequenas e médias, com baixa capitalização e dependência integral da distribuição de resultados, o impacto parece inevitável.

Em paralelo, as estimativas de arrecadação reforçam a fragilidade do desenho. O governo projetou, originalmente, um superávit de R$ 29,7 bilhões entre 2026 e 2028; a Câmara revisou para R$ 12,27 bilhões. Ainda assim, o número parece superestimado.

O cálculo não incorpora os redutores aplicáveis quando a carga combinada de IRPJ, CSLL e IRPF ultrapassa os limites nominais, nem considera a retenção estratégica de lucros ou a redução do volume distribuído como reação natural às mudanças. Parte-se do pressuposto irreal de que as empresas manterão o padrão de distribuição, como se o comportamento econômico fosse imune a mudanças fiscais.

A inconsistência também é histórica. A isenção dos dividendos, adotada na década de 1990, não foi um privilégio sem fundamento, mas parte de um modelo que buscava neutralidade: tributar o lucro apenas na pessoa jurídica, simplificando o sistema.

O impacto da nova tributação sobre o ‘prêmio do investidor’ é inevitável. Em um país que já convive com insegurança jurídica crônica, contencioso crescente e mudanças normativas frequentes, elevar a carga sobre o capital produtivo reduz a atratividade de investir e reinvestir. A lógica é simples: onde há estabilidade e coerência, o investidor enxerga horizonte; onde há volatilidade regulatória, a alocação migra. O Brasil não está sozinho na competição global por capital, e políticas tributárias mal calibradas pesam mais do que discursos otimistas.

Em última análise, a Lei nº 15.270/2025 exemplifica um falso dilema fiscal: amplia-se um benefício social relevante, mas o custo é repassado de forma desproporcional a estruturas vulneráveis, mirando uma arrecadação cuja eficácia é incerta e cujos efeitos colaterais são expressivos. Medidas que aliviam no curto prazo, mas desequilibram no médio e no longo, raramente entregam o que prometem.

Rever a tributação da renda é necessário, mas com racionalidade e respeito ao desenho institucional. O país precisa de um sistema progressivo que não penalize a competitividade, de incentivos que estimulem o investimento produtivo e de regras que reforcem – em vez de corroer – a confiança dos agentes econômicos.

Entre benefícios aparentes e custos ocultos, o Brasil não pode continuar escolhendo a pior combinação possível.

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